Segunda, 29 Abril 2024
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José Adauto e Humberto Bezerra

José Adauto e Humberto Bezerra(Juazeiro do Norte) – Adauto, Governador e Deputado Federal ; Humberto , Deputado Federal

 Três de junho de 1926, uma quinta-feira, a população de Juazeiro do Norte em peso acompanhava a procissão do dia de Corpus Christi. Misturado à multidão de fiéis, o agricultor José Bezerra de Menezes, que todo ano participava religiosamente desse ato litúrgico, pedia a Deus pelo filho prestes a nascer. Ao término da procissão, um emissário enviado às pressas do sítio Salgadinho passa a informação de que Maria Amélia, sua esposa, já estava em trabalho de parto. José Bezerra apressou o passo de volta ao sítio, à pequena distância da cidade de Juazeiro, e onde morava com a mulher e dois filhos. Ao chegar, uma surpresa: não um bebê, como esperado, mas dois estavam envoltos nos cueiros, dormindo ao lado da mãe. Para os pais, alegria em dobro. A vinda dos gêmeos foi recebida como uma bênção de Deus para atenuar o trauma sofrido pelo casal com a perda de dois filhos varões, o primogênito, nascido em 1919, falecido aos três anos de idade, e o terceiro, no sétimo dia de nascido.

 

Na pia batismal, o que nasceu primeiro recebeu o nome de Francisco Humberto e ao que chegou 20 minutos depois, o nome de José Adauto. Univitelinos, difícil distinguir um do outro. Para identificá-los, a mãe recorreu a toucas de cores diferentes: branca, para Adauto, preta para Humberto. A semelhança fisionômica chegava a confundir até mesmo os pais, que, mais tarde, quando queriam dirigir-se a um deles vinha logo a pergunta: “você é quem?”.

 

Após os gêmeos, mais três filhos teve o casal José Bezerra e Maria Amélia: Neide, Orlando e Ivan, formando assim o Clã do Salgadinho, referência ao nome do sítio onde nasceram todos os filhos do casal e onde passaram eles os primeiros anos de vida até os mais velhos atingirem a idade escolar, quando então a família passou a residir em ampla casa bem no centro da cidade do Juazeiro, em frente à Praça Padre Cícero. Conhecida como Casa Grande, é preservada até hoje pelos herdeiros, bem como o sítio, que José Bezerra comprara por 15 contos de réis ao seu primo, o major Joaquim Bezerra de Menezes, precursor do movimento que culminou com a autonomia política do Juazeiro. O major Bezerra era irmão de Jeconias, pai de Maria Amélia, morto aos 28 anos de idade.

 

O roteiro de vida dos gêmeos teve praticamente um só enredo, desenvolvido em um mesmo cenário, cada qual, no entanto, desempenhando seu próprio papel, na companhia alegre dos demais irmãos. Todos eles desde crianças receberam dos pais a mesma educação, a mesma orientação de vida, com fundamento na observância rigorosa dos preceitos cristãos, do respeito, da moral e da ética, que o patriarca José Bezerra sabiamente procurou inocular no espírito de cada filho não só através de dissertações teóricas a respeito do bem e do mal, mas, principalmente, pelo próprio exemplo de esposo dedicado, pai de família exemplar, de cidadão que sempre pautou a sua existência em atitudes sempre corretas, que o fizeram em todo o curso de sua existência merecedor de todo o respeito e admiração perante os seus concidadãos.

 

José Bezerra e Maria Amélia, primos, pertenciam à estirpe de co-fundadores da região do Cariri, à frente o capitão Antonio Pinheiro Lobo e Mendonça, sergipano, tronco dos Pinheiros e Bezerra de Menezes do Crato e originário de uma vertente genealógica com raízes no consórcio matrimonial do lusitano Diogo Álvares Correia, o lendário Caramuru, com a índia Catarina Álvares, Paraguaçu. Notáveis empreitadas cívicas, algumas de bravura incomum, foram protagonizadas por membros da família Bezerra de Menezes na região do Cariri e fora dela, notadamente nos tempos da monarquia, destaque para o tenente-coronel e comandante de cavalaria Leandro Bezerra Monteiro, agraciado por D. Pedro I com o título honorífico de brigadeiro em reconhecimento pela sua lealdade á Monarquia, como articulador no Crato da contra-revolução republicana de 1817.

 

Quando os gêmeos atingiram a idade da iniciação escolar, os pais contrataram professora particular para iniciá-los nas primeiras letras. Em seguida, matriculou-os no Grupo Escolar Padre Cícero, onde efetivamente aprenderam a ler e escrever, passando dali para a Escola Normal Rural de Juazeiro, dirigida pela professora Amália Xavier de Oliveira e que teve José Bezerra como um dos fundadores. Como na época Juazeiro não contava com escola de ensino médio, os dois irmãos foram preparados para o exame de Admissão ao Curso Ginasial pelo professor José Sebastião da Paixão, para, em seguida, serem encaminhados, em regime de internato, mais o irmão Leandro, dois anos mais velho, para o Ginásio do Crato, a 11 quilômetros do Juazeiro. Concluído o ensino médio, o pai mandou os três para o Colégio Cearense, em Fortaleza, também em regime de internato, onde, em 1942, concluíram o curso ginasial. A expectativa agora era quanto à formação superior, pois era desejo dos pais que obtivessem diploma de curso universitário. Humberto optou por seguir carreira militar, enquanto Adauto demonstrou interesse em formar-se em medicina. Leandro preferiu seguir os passos do pai, como agricultor e pecuarista.

 

Nesse espaço de tempo, um telegrama do então capitão do exército Raimundo Teles Pinheiro, também da linhagem dos Bezerra de Menezes, alterou o curso da história. O parente comunicava a José Bezerra que estariam abertas em breve as inscrições para a Escola Preparatória de Cadetes, em Fortaleza. Humberto reafirmou a disposição de seguir a carreira militar e Adauto manteve o propósito de fazer-se médico. Coube ao pai convencer Adauto a também submeter-se à prova de admissão à Escola Preparatória, com a promessa de que seria mandado para a Faculdade de Medicina da Bahia, caso desistisse de prosseguir como militar. Ele acolhe o conselho paterno e acompanha o irmão. Submetidos às provas, foram aprovados. Assegurou-se, assim, mais uma etapa da vida de ambos em que marchariam juntos, agora envergando o uniforme verde-oliva do glorioso Exército brasileiro.

 

Concluído o curso preparatório, o passo seguinte era a Academia Militar das Agulhas Negras, em Rezende, no antigo Estado do Rio de Janeiro. No dia 16 de dezembro de 1949, aos 23 anos, os filhos de José Bezerra eram declarados Aspirantes a Oficial. Humberto com formação na área de Intendência, enquanto Adauto optou pela arma de Artilharia.

 

Após a formatura e o estágio de especialização que juntos fizeram em Realengo, no Rio, o destino volta a interferir na vida dos dois irmãos, dessa vez bifurcando o caminho que lado a lado palmilharam ao longo de pouco mais de duas décadas. Separados pela primeira vez, são mandados servir coincidentemente em um mesmo estado, o Rio Grande do Sul, mas em unidades distantes uma da outra. Humberto foi para Cruz Alta, cidade situada na parte noroeste do estado, enquanto Adauto é mandado para Alegrete, a 506 quilômetros de Porto Alegre e que fica a oeste do estado. Confessa ele que ao chegar à cidadezinha de Alegrete foi dominado por uma tristeza imensa, que levou algum tempo para dissipar-se.

 

Foi em Cruz Alta que Humberto conheceu Norma, jovem gaucha filha do lugar, por quem por obra e graça de Cupido se tomou de amores. Igualmente correspondido, em dezembro de 1951 já estavam noivos e em cinco de novembro do ano seguinte, ele, já Primeiro-Tenente, conduziu-a ao altar. Do casamento viriam os filhos Márcia, José Bezerra (Binho), Sérgio e Denise.

 

Em seguida ao casamento, Humberto é transferido para a guarnição de Recife, levando consigo a jovem e corajosa esposa, que acreditou naquele aspirante que estava apenas iniciando sua vida profissional. A viagem foi de trem até o Rio de Janeiro, demorando-se ali apenas o tempo suficiente para mostrar a Norma as belezas da Cidade Maravilhosa. Dali, embarcaram no navio Campo Grande com destino à capital pernambucana, onde já os aguardavam José Bezerra e Maria Amélia, para juntos viajarem ao Juazeiro, onde Norma iria conhecer os membros do “Clã do Salgadinho”.

 

Quanto a Adauto, após ano e meio em Alegrete, é transferido para Natal, como instrutor no Quartel de Artilharia Antiaérea. Dali é novamente transferido, dessa vez para Olinda. Mais uma peça pregada pelo destino: vai morar em Recife, no mesmo bairro onde morava Humberto, embora só se vissem uma vez por semana. No período em que serviu em Pernambuco, Adauto contraiu matrimônio com Lídia de Almeida, jovem da sociedade juazeirense, hoje falecida, com quem teve cinco filhos, um homem e quatro mulheres: Adauto Júnior, Ângela, Mônica Moema e Regina. Durante sua permanência em Olinda, foi promovido a capitão e classificado em Fortaleza. Antes, porém, de transladar-se para a capital cearense, recebem eles a infausta notícia da morte súbita do patriarca da família, José Bezerra. Os irmãos alugaram um avião e viajaram ao Juazeiro, em companhia do parente e padrinho de batismo de Adauto, José Geraldo da Cruz, candidato a prefeito do Juazeiro e que, por coincidência, se encontrava naquele dia em Recife.

 

Seguindo a tradição de família, José Bezerra foi político a vida toda. Ao morrer estava envolvido com toda a energia na campanha do primo e teria dito a Humberto: “Temos de eleger José Geraldo a todo custo”. Isto fez com que os dois irmãos, em homenagem à memória do pai e a fim de que seu desejo se cumprisse, arregaçassem as mangas e se engajassem na campanha do parente, a final vitoriosa. Após a eleição, ambos retomam às suas atividades, regressando às unidades onde serviam.

 

Embora a política constituísse desde priscas eras um capítulo de importância fundamental na história da família, em momento algum ocorrera aos gêmeos demonstrar interesse pessoal em engajar-se em disputas eleitorais, a exemplo do pai que foi um político atuante. José Bezerra era presidente da Câmara de Vereadores do Juazeiro quando ocorreu a extinção dessa casa do legislativo local em decorrência do golpe de estado de 1937. Restaurada a democracia, retomou ele a atividade política, elegendo à Câmara Municipal o filho Leandro, em seguida o genro José Maria de Figueiredo e, por último, o filho Orlando. A participação eventual na campanha de José Geraldo é possível tenha despertado nos irmãos Adauto e Humberto o interesse pelo embate político. Assim é que Adauto aceitou de pronto a sua indicação, feita em 1958, pelo prefeito José Geraldo, para disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa do Ceará, mesmo expondo a risco sua promissora carreira militar. Tinha 32 anos quando se elegeu com expressiva votação.

 

Em 1962, foi a vez de Humberto ceder ao irresistível apelo da tradição familiar, apresentando-se ao eleitorado juazeirense como candidato a prefeito. Vitória retumbante, obtendo mais votos que os três outros concorrentes juntos. A partir daí selou-se, definitivamente, o ingresso dos gêmeos na atividade política, com uma sequência extraordinária de sucessos, galgando os mais elevados escalões da política e da administração pública do Estado, inclusive com incursões na esfera federal, ao conquistarem, em época distinta, assento no Congresso Nacional, mais precisamente na Câmara dos Deputados, onde tiveram destacada atuação. Posteriormente, outro membro da família, o irmão Orlando, cumpriu mandato nessa casa do Legislativo, em três legislaturas seguidas. Atualmente, o médico José Arnon, neto do patriarca do Salgadinho, é o representante do clã familiar na Câmara. Alacoque, irmã mais velha dos irmãos Bezerra, recentemente falecida, chegou a assumir uma cadeira no Senado Federal, tendo sido a primeira mulher cearense a galgar essa posição naquela casa do Congresso.

 

O ingresso dos irmãos gêmeos na atividade política mudou o perfil do panorama político-administrativo da região do Cariri. Inaugurava-se uma nova fase na vida política do Juazeiro do Norte, uma cidade em ritmo acelerado de expansão. Firmaram eles uma jovem e dinâmica liderança sintonizada com os reais anseios de progresso da região, liderança esta que em futuro próximo se estenderia praticamente a todo o Ceará.

 

Após sucessivas promoções na carreira militar, os irmãos Adauto e Humberto decidem passar para a reserva no posto de Tenente-Coronel, para melhor dedicarem-se, além da política, aos negócios em expansão do clã familiar.

 

Além de deputado estadual em quatro legislaturas, durante as quais foi por dois períodos presidente da Assembleia, Adauto exerceu outros importantes cargos como o de governador, deputado federal e vice-governador. Fato inédito e interessante ocorreu em uma das ocasiões em que presidia a Assembleia. César Cals era governador e Humberto Bezerra era o vice-governador. Para atender a compromisso oficial, César teve de ausentar-se. Humberto, na condição de vice, assumiu o governo. Ocorre que, também por igual motivo, teve de se ausentar, passando o cargo ao irmão, este na qualidade de presidente da Assembleia.

 

Humberto saiu da Prefeitura do Juazeiro diretamente para a Câmara dos Deputados, tão logo concluído o seu mandato em 1966, passando a ser, na história do Juazeiro, o primeiro filho da terra a ter assento no Congresso Nacional. Fato idêntico se repetiu quando esteve no exercício da vice-governança em 1970 até 1974, ano em que retornou à Câmara, licenciando-se logo em seguida, a fim de assumir a função de Secretário de Assuntos Municipais, na gestão de Adauto como governador. Em 1978, praticamente se despede da vida pública ao desistir da reeleição ao mandato parlamentar, passando a vez a Adauto que acabara de deixar a chefia do Executivo cearense.

 

Humberto se retira da vida pública, pelo menos no tocante a articulações políticas e disputas eleitorais, para assumir, efetivamente, a sua condição de empresário, juntando-se aos demais irmãos na gerência dos negócios da família, consubstanciados em um conglomerado de empresas que constituem o Grupo Irmãos Bezerra, a cujo comando também se incorpora Adauto, tão logo concluído o seu mandato de vice-governador.

 

Como parte do conglomerado, o maior da região do Cariri, estava o Banco Industrial e Comercial do Ceará S.A. - BICBANCO, hoje um dos maiores do país. A sua origem remonta à Sociedade Cooperativa Ltda, fundada em 7 de setembro de 1931 por José Bezerra em parceria com outros empreendedores juazeirenses. Em 1943 a cooperativa foi transformada em Banco do Juazeiro S.A., que, posteriormente, absorveu duas outras instituições bancárias, o Banco do Cariri, do Crato, e o Banco dos Proprietários, de Fortaleza. O BICBANCO, hoje com sede na cidade de São Paulo, atingiu o pico de sua fase de expansão e crescimento na gestão dos irmãos Humberto e Adauto Bezerra, respectivamente na presidência e na vice-presidência da instituição, hoje presente em mais de 40 pontos do território brasileiro. Nesse período já se encontravam incorporados à administração do banco José Bezerra de Menezes, na Vice-Presidência Executiva, e José Adauto Bezerra Júnior, na Diretoria Administrativa. Na década de 1990, Humberto e Adauto de comum acordo decidiram transferir para os filhos o comando da instituição, ficando a presidência com José Bezerra, filho de Humberto, e a Vice-Presidência com Adauto Júnior. Os dois irmãos optaram por compor o Conselho de Administração, de onde transmitem experiência e ensinamento aos filhos que os sucederam. (JJO)