Segunda, 29 Abril 2024
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José Marcondes Sampaio

José Marcondes Sampaio (Uruburetama) – Jornalista e poeta

Embora tenha cursado Direito e Administração, até o 3º ano, Marcondes Sampaio

 

(de prenome José) costuma dizer que suas “verdadeiras universidades” – entre as décadas de 60 e 80 - foram as redações e o Parlamento. As redações, “quando havia jornalismo-crítico, humanista, às vezes engajado, não o denuncismo e o tom de propaganda-proselitismo atrelado aos interesses do mercado”. Fruto, a seu ver, do pensamentoúnico instalado no final do século passado pela ofensiva neoliberal que agora, mesmo em grave crise, ainda produz efeitos nefastos não só na economia mas também no processo político, no mundo acadêmico e na mídia. Um Congresso – acrescenta - hoje acuado,condicionado pelas pautas da mídia e do Executivo, emais recentemente, pela concorrêncialegiferante do Judiciário.

 

Marcondes que nasceu em Uruburetama, em 11 de agosto de 1944, filho deRaimundo Soares Sampaio e Maria do Céu Rios Sampaio, começou suas atividades profissionais em 1961, aos 17 anos, no jornal O Nordeste e, três meses depois, na Rádio Assunção, que pertenciam à Arquidiocese de Fortaleza. Na época, o mais comum, na iniciação no jornalismo, era a revisão ou, como repórter, no geral ou no noticiário policial. No rádio, muitos dos melhores profissionais cearenses começaram na escuta que, para ele, compensou a graduação não concluída na Universidade e abriu caminho para, aos 21 anos, tornar-se editor internacional do jornal O Povo. Nas duas funções – escuta e editor – acompanhou alguns dos mais expressivos acontecimentos do século XX – a guerra do Vietnã, a chamada guerra friaentre Estados Unidos e União Soviética, a crise dos mísseis, a revolução cubana e sua influência na América Latina e África, a descolonização africana, o início da corrida espacial, o homem na lua, o papado de João XXIII, bem como a atuação dos últimos grandes estadistas e/ou revolucionários do mundo moderno – De Gaulle, na França, Churchill, na Inglaterra, Adenauer, na Alemanha, Mao Tse Tung, na China, Marechal Tito, na antiga Iuguslávia, Fidel/Guevara em Cuba...

 

Na sintonia das principais emissoras europeias (BBC de Londres, Rádio Television et Diffusion Française, Deutsch Weller, da Alemanha) e das maiores potências – Voz da América, dos Estados Unidos e Radios de Moscoue Pequim, cujas emissões chegavam com maior nitidez ao Nordeste - escutas cearenses ajudaram a tornar o rádio-jornalismo do Estado o terceiro melhor do país, abaixo apenas do Rio e São Paulo.

 

Em 1969, passou a cobrir a Assembleia Legislativa do Ceará, tornando-se titular da coluna política do jornal Gazeta de Notícias, como sucessor de Frota Neto, que deixou Fortaleza para uma pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo,.

 

Dois anos depois – em julho de 1971 – chegou a Brasília, a convite do deputado Paes de

 

Andrade, que integrava a mesa diretora da Câmara. Veio participar da equipe de reestruturação do noticiário da Voz do Brasil, referente àquela Casa, que havia perdido parte dos seus quadros com o fechamento do Congresso pela Junta Militar, em 1969. Em dezembro de 71 casou-se com sua colega da Faculdade de Direito, Ana Neire Araújo, mãe dos seus dois filhos – Leonardo (formado em ciência política, historiador e poeta) e Rafael (especialista em animação gráfica – professor e editor).

 

Simultaneamente à Câmara, trabalhou na sucursal do extinto Diário de Notícias, do Rio deJaneiro e, a partir de fevereiro de 72, por dois anos, na de O Globo. Entre 1974 e 1986 foi repórter e articulista da Folha de S.Paulo, cumulativamente, em períodos alternados, com o Jornal de Brasília eCorreio Braziliense. Para esses jornais, cobriu várias campanhas eleitorais e movimentos cívicos dos anos 70 e 80 (Anistia, Constituinte, Diretas Já) – com especial atenção aos grupos mais combativos de oposição ao regime militar – Autênticos e Neo-autênticos do MDB, Tendência Popular, movimento Só Diretas, os dois últimos pluripartidários. Trabalhou, ainda, noDiário Popular, de São Paulo,Jornal do Commercioe Diário de Pernambucoe fez trabalhos de previsão de resultados eleitorais para a Agência Estado e INESC (Instituto de Estudos Sócio-econômicos). Colaborou também com publicações de esquerda e/ou nacionalistas, tendo sido editor dos jornais Brasil Socialista e Questão Nacional.

 

Apesar das ligações com diferentes lideranças e correntes que participaram da

 

construção da chamada Nova República, em eleição indireta, via colégio eleitoral –

 

contrariando, assim, a pregação pelas Diretas Já – foi severo crítico dessa

 

contradição. Seu temor era o de que o ajuntamento de forças políticas tão variadas

 

nos campos ideológico e social resultasse, como de fato resultou, num processo político

 

medíocre, dominado pelos interesses grupais ou mesmo individuais, pela fragilidade

 

da oposição, pelo desencanto popular e despolitização da sociedade.

 

Fora da chamada grande imprensa desde o início da década passada, Marcondes

 

tornou-se editor do Jornal da Câmara e redator de textos históricos. Cada vez mais cético e crítico – quiçá apocalíptico –em 2007, para surpresa dos amigos, ele se iniciou na poesia, ramo literário que não constava das suas preferências e menos ainda das suas aptidões. Na apresentação do seu primeiro livro – Assim Caminha a Mediocridade – ele escreve:Os leitores dos meus primeiros versos mostraram-se surpresos. Eu também. Surpresos, eles e eu, pela súbita adesão a esse gênero literário do qual sempre guardei idiossincrática distância, que talvez caiba à psicanálise explicar. Ainda que já tivesse mantido contatos ginasianos com alguns épicos, a tal idiossincrasia me levava a mais a associar poesia aos sentimentos (meramente) pessoais, de exposição incompatível com meu recato nessse terreno. Não enxergava ou, quem sabe, não queria enxergar,a vastidão da seara poética, tão vasta quanto a multiplicidade dos sentimentos individuais que constroem ou reformulam aspirações coletivas, mais carentes do que nunca da atenção dos filósofos, poetas, de todos os pensadores, nessa inquietante encruzilhada em que a humanidade vive”.

 

Mais adiante, confessa: “Acontece que vivo um impasse entre a fidelidade de quase meioséculo ao jornalismo, a rendição plena aos encantos da poesia e a possibilidade de usufruir os encantos de uma conveniente bigamia. Na dúvida, procuro fazer desse espaço ensaio de transição para nova realidade que o destino parece impor, rendendo-me ao conforto da licença poética (...) mas – reescreve agora –ainda condicionada a limites enraizados na formação jornalística, não essenciais no sentimento poético, às vezes até antagônicos, tais como o maior comprometimento com a realidade , o sopesamento das afirmações,e o apego à dimensão das coisas”.

 

Embora sua poesia incorpore cada vez mais teor filosófico-sociológico, Marcondes não abandonou a veia do humor e da ironia, marcas fortes do início da sua produção poética. Exemplo, os versos abaixo:

 

 

 

Eu-Ciará muleque

 

 

 

Não sou um Peri, bravo guerreiro

 

Um Padre Mororó, um Alencar

 

Nem Jerônimo, bravo jangadeiro

 

Menos ainda um Dragão do Mar

 

 

 

Se de Aderaldo tento o verso ligeiro

 

E de Quintino o dom de provocar

 

Se deles não sou mais um herdeiro

 

Sou só um muleque véi do Ciará

 

 

 

JM/TH